quarta-feira, 2 de junho de 2010
Dando continuidade às nossas discussões...
segunda-feira, 24 de maio de 2010
textos de 27 de maio
2) Em relação ao texto de Sorensen, discuta o termo "mulitlinguismo". Faça uma discussão intertextual, considerando os termos "bilinguismo" e "diglossia" encontrados em textos anteriores (Ortiz, Romaine).
quarta-feira, 12 de maio de 2010
Segundo as autoras, “conceitos como pluralismo cultural, diversidade cultural, multiculturalismo ou interculturalidade” não parecem “capazes de traduzir realidades de mundos mesclados, de culturas mestiças” (p.35), bem como a fluidez, o trânsito, a circulação e a troca que marcam as relações entre culturas, características inequívocas de sociedades que se constituíram a partir de processos de colonização, como é o caso dos países latino-americanos. Para as autoras, o termo transculturalidade seria o mais próximo para a tradução dessas realidades híbridas, desses “mundos mesclados”.
Apesar de considerar fundamental a proposta de reconhecimento da dinamicidade das interações entre culturas (i.e. entre línguas) diferentes, uma vez que os sistemas culturais não podem ser observados a partir de uma ótica essencialista, encerrados em si mesmos e estáticos, considero acrítica a abordagem transcultural das autoras, especialmente quando aplicadas à interpretação das relações entre culturas minorizadas e majoritárias, por não considerar as relações originadas e perpetuadas por processos de dominação e assimilação, bases do colonialismo, e que não podem, ao meu ver, serem negligenciadas.
Baseio minha perspectiva em dois argumentos. Primeiro, a forma como as autoras concebem, ou pelo menos apresentam neste texto, as relações entre as culturas não considera as relações de poder nelas envolvidas. Assim, pode-se concluir que o fluxo de interinfluências, de trânsito, de troca de uma cultura em/com outra seria multidimensional, ou ao menos bidirecional. Ora, a história das sociedades latino-americanas, bem como a situação atual de inúmeros povos minorizados desta região, nos dão provas suficientes de que, até o momento, o fluxo da “mesclagem” ou da “mestiçagem” cultural segue a mesma tendência das relações políticas e socioeconômicas estabelecidas entre as diferentes culturas, ou seja, de uma se sobrepondo a outras dentro dos territórios nacionais. Assim, a noção de transculturalidade não capta a desigualdade dos intercâmbios (se é que podem ser assim nomeados) culturais, pois negligencia as relações de poder que tornam esse intercâmbio unidirecional. A direção todos e todas nós sabemos bem! Diante desta proposta, levanto as questões: Teriam povos política e socioeconomicamente minorizados algum poder de escolha, decisão ou influência nas trocas e intercâmbios culturais? Podemos identificar elementos culturais (linguísticos, epistemológicos, cosmológicos, filosóficos, etc. etc. etc.) oriundos de povos minorizados em culturas majoritárias, historicamente dominantes, que não caiam na categoria de “exótico” ou “folclórico”, como o campo das manifestações artísticas, por exemplo?
Também a noção de transglossia (p. 42), “batizada” por analogia à noção de transculturalidade me parece ingênua ao propor “um conceito que agarre a vida de uma língua em seu estado de fluxo, que nos permita pensá-la como líquido e não como sólido”, que propõe que imaginemos “as línguas em contato como línguas que vazam uma na outra [...], como rios que correm e se misturam indistintamente com outros rios”. Especialmente neste caso, considero desnecessários argumentos que demonstrem a tendência dos “vazamentos” (também unidirecionais) de uma língua na outra, basta apenas que olhemos com um pouco mais de senso crítico, por exemplo, a situação sociolinguística atual das línguas indígenas no Brasil. Considero inconcebível uma análise de línguas em contato em sociedades marcadas por desigualdades sem o questionamento prévio das naturezas próprias dessas desigualdades.
Um segundo argumento para o questionamento das propostas conceituais das autoras se baseia na constatação de uma má interpretação da noção de interculturalidade como não sendo capaz de captar a interação entre povos culturalmente diferentes. Ao meu ver, as autoras operam ( se é que operam!) com um sentido funcional de interculturalidade, inadequado para situações de assimetria política, social, econômica e cultural.
Desde uma perspectiva latino-americana, Albó (2005, p. 47-48) define a interculturalidade como qualquer relação entre pessoas ou grupos sociais de culturas diferentes e, por extensão, as atitudes de pessoas e grupos de uma cultura referentes a elementos de outra cultura. De acordo com o autor, as relações interculturais são negativas quando levam à destruição, assimilação ou diminuição do que é diferente e positivas quando levam ao respeito e ao enriquecimento mútuo, a partir de um intercâmbio enriquecedor. Tubino (2004), no entanto, adverte que o conceito de interculturalidade deve ser tomado desde uma perspectiva crítica, especialmente num contexto de luta por direitos historicamente negados, como é o caso, por exemplo, nas relações estabelecidas entre os diversos povos indígenas brasileiros com a sociedade não-indígena.
Esta postura crítica em relação ao reconhecimento das relações entre diferentes culturas é necessária, em suas palavras, porque “[a] as diferenças entre o interculturalismo funcional e o interculturalismo crítico são substantivas. O ponto de partida e a intencionalidade do interculturalismo crítico é radicalmente diferente. Enquanto o interculturalismo neoliberal busca promover o diálogo sem tocar nas causas da assimetria cultural, o interculturalismo crítico busca suprimi-las. [...] Para tornar o diálogo real, há que se começar por visibilizar as causas do não diálogo. Em outras palavras, há que se começar por identificar e tomar consciência das causas contextuais de sua inoperância. Há que se começar por recuperar a memória dos excluídos, por visibilizar os conflitos interculturais do presente como expressão de uma violência estrutural mais profunda, gestada ao longo de uma história de desencontros e postergações injustas (TUBINO, 2004, p. 6-7).
Neste mesmo sentido, Fornet (2000 apud TUBINO, 2004, p. 6) reconhece que “[n]ão há, por isso, que se começar pelo diálogo, mas com a pergunta sobre as condições do diálogo. Ou, dito com maior exatidão, há que se exigir que o diálogo entre as culturas seja, de início, um diálogo sobre os fatores econômicos, políticos, militares, etc., que condicionam atualmente o intercâmbio franco entre as culturas da humanidade. Esta exigência é imprescindível atualmente para que não se caia na ideologia de um diálogo descontextualizado, que favoreceria apenas aos interesses da civilização dominante, ao não considerar a assimetria de poder que reina hoje no mundo.”
A forma como apresentadas as noções de transculturalidade e transglossia parecem, assim, ao meu ver, não considerar a unidirecionalidade das relações culturais em contextos de iniquidade. Penso que ao considerarmos os contextos latino-americanos e, especificamente, o brasileiro contemporâneo, como proposto pelas autoras, não há mesmo do que se ter nostalgia na compreensão das fricções linguístico-culturais. Criticidade, no entanto, considero fundamental, pois, caso contrário, não perceberemos como um simples “crique” pode ser um índice de desigualdades, discriminação e exclusão linguística (portanto social...).
André Marques do Nascimento.
Comentário sobre o texto de Canclini - 13 de maio
James Deam Amaral Freitas
terça-feira, 11 de maio de 2010
Texto para dia 13 de maio
terça-feira, 27 de abril de 2010
Comentários sobre os textos de 29 de abril - Whorf e Martin-Jones
1. Esse fragmento respalda-se na teoria de que o pensamento é dependente da linguagem, expressa inicialmente nos escritos de Edward Sapir e ampliada por Benjamim Lee Whorf a partir, sobretudo, de suas pesquisas sobre uma língua indígena da América do Norte, o Hopi. Com esse estudo, ele pôde constatar que não havia na língua Hopi a categoria de tempo verbal, já que a noção de tempo, formulada pela cultura do pesquisador, era alheia à cultura dos falantes de Hopi. Tal constatação induziu a tese de que a percepção que o indivíduo tem da realidade é moldada pelo sistema linguístico, ou seja, pensamos e experimentamos o mundo conforme a língua que falamos. Seguindo essa concepção, pode-se ainda adotar outro exemplo exposto por Whorf: a variedade de termos utilizados pelos Esquimós para designar neve. No universo esquimó, a neve é uma realidade abundante e fundamental, por essa razão, esse referente é categorizado de forma mais específica do em outras culturas, em que inexista a neve ou em que ela constitua apenas uma imagem rara. Sob a influência desses exemplos, é possível desvendar o pensamento de Whorf de que sistemas linguísticos substancialmente diferentes resultam em diferenças conceituais que moldam a mente dos falantes e suas concepções de mundo de modo distinto, assim como ele mesmo defende: “Esculpimos a natureza em conceitos porque somos membros de uma dada comunidade lingüística que combinou organizar as coisas deste modo – um acordo que se mantém estável por toda a comunidade lingüística e se encontra codificado na língua.” (Whorf, 1956, p.213)
2. O texto de Martin-Jones reforça nossas discussões sobre a questão do bilinguismo justamente por admitir que a abordagem desse fenômeno deve levar em consideração não somente os aspectos lingüísticos e pragmáticos, mas, sobretudo, a contextualização sócio-cultural, as relações de poder e a constituição das identidades. Nesse sentido, a autora assume a complexidade do tema ao apresentar as práticas de língua escrita de jovens de um grupo linguístico minoritário de uma cidade britânica, Leicester, os quais são bilíngues em inglês e gujarati. De acordo com essa investigação, podem ser percebidos os usos diversificados que os jovens fazem da escrita, além dos limites da escola e da universidade, de acordo com os interesses e/ou necessidades pessoais, as heranças culturais, a lealdade linguística e a proficiência escrita. Isso revela que a produção escrita por indivíduos bilíngues constitui uma prática social que contribui para a construção de identidades e valores sociais. Tudo isso nos conduz à necessidade de problematizar o bilinguismo e concebê-lo como um fenômeno dinâmico cujas implicações sócio-culturais vão além de uma visão neutra e estável. Além disso, é necessário considerar o próprio processo de escrita como uma prática de significação, em que sujeitos e sentidos constituem-se simultaneamente, e, por isso mesmo, exposta a transformações, (re)apropriações e rupturas, tal qual foi demonstrado pelas variadas experiências de escrita dos jovens pesquisados.
James Deam A. Freitas
quinta-feira, 22 de abril de 2010
Questões para os textos do dia 29 de abril
"The categories and types that we isolate from the world of phenomena we do not find there because they stare every observer in the face; on the contrary, the world is presented in a kaleidoscopic flux of impressions which has to be organized by our minds - and this largely by the linguistic systems in our minds" (p. 213). Comente esta citação à luz da teoria de Whorf sobre a língua e o pensamento.
Questão sobre o texto de Marilyn Martin-Jones:
"He querido también demostrar que las prácticas de lengua escrita en diferentes idiomas tíenen sus raíces en tradiciones históricas y culturales específicas, pero los jóvenes recurren a estos usos de la lengua escrita de modos diversos..." (p. 90). Comente esta citação à luz das discussões que já tivemos sobre bilinguismo.
Texto de Romaine, 1995 (Do dia 22/04)
Para caracterizar esta realidade, Romaine nos diz em cifras a realidade linguística do monolinguismo e do bilinguismo na Europa – 25 dos 36 países europeus são considerados oficialmente monolíngues, mas na maioria destes há minorias linguísticas cujos direitos não são iguais quando comparados às línguas consideradas majoritárias.
quarta-feira, 14 de abril de 2010
COMENTÁRIOS SOBRE OS TEXTOS DE SALZMANN E TIMM
Contudo, um olhar atento sobre a questão nos induz a problematizar os conceitos de língua e cultura, que são a base dos princípios lingüísticos de determinismo (a língua determina o pensamento) e relativismo (visão de mundo e comportamentos moldados pela língua), instaurados por Sapir-Whorf. Na forma inicialmente proposta, há uma relação de causa e efeito entre língua e cultura, a partir, principalmente, de investigações sobre o léxico dos falantes, perpassada pelas noções de unicidade e estabilidade. Obviamente, não foram agregados às pesquisas dos autores termos como identidade, práticas discursivas, hibridismo cultural, fatores importantes para compreender que, apesar de a identidade de um indivíduo se construir na língua e através dela, conforme nos aponta Rajagopalan (2001), ao investigar uma língua estamos, de fato, analisando os seus sujeitos falantes, suas práticas discursivas e os efeitos que elas têm na construção das identidades sociais. Esse contexto desautoriza a concepção de linguagem como representação do mundo e a concebe como sendo uma forma de ação, de interação e de constituição da subjetividade e das identidades. Nesse caso, uma análise linguística precisa levar em conta, os fatores sociológicos, isso porque os sujeitos não são apenas falantes de uma língua, mas a utilizam acordo com suas marcas sócio-históricas, de gênero, de profissão, de faixa etária, de opção religiosa, de comportamento sexual, de partido, enfim de contextos específicos que atuam, via linguagem, na constituição das identidades. Isso só nos confirma o posicionamento de Moita Lopes (1998, p.326) : “através do uso da linguagem construímos nossas várias identidades sociais no discurso e essas identidades afetam os significados que construímos na sociedade”.
Da mesma forma, a cultura só tem existência no contexto social, já que ela é socialmente construída nas práticas discursivas. Assim rompe-se com uma visão universalizante e independente de cultura, a qual não é propriedade exclusiva de um grupo, de uma comunidade ou de uma nação e nem mesmo pode ser vista como uma localização sólida e isenta de deslocamentos, reconfigurações e reapropriações. Por essa razão, definir um padrão cultural a partir de um estudo sistemático e isolado do léxico utilizado pelos falantes de uma dada comunidade constitui um exagero interpretativo no que diz respeito à argumentação da dependência entre língua e cultura. É querer reduzir uma complexidade inerente a uma constatação redutora, como fez Whorf ao afirmar que na língua dos Hopi não havia referência temporal, o que sinalizava a visão de mundo e o modo de vida específicos daquela comunidade. Tanto foi exagerada tal verificação que, logo, foi refutada.
Enfim, não é possível contestar que a língua contribui inevitavelmente para a expressão cultural de indivíduos e de uma coletividade. Ela não deixa de ser um meio de identificação cultural, mas antes é baseada nos usos sociais que os falantes dela fazem, a partir dos contextos sócio-historico-culturais em que estão inseridos e não apenas por pertencer a uma determinada comunidade que utiliza a mesma língua.
2) O texto de Timm analisa a questão da língua bretã na Europa e os conflitos linguísticos e culturais entre os falantes nativos e os defensores do neo-breton, uma versão atualizada da língua. O Bretão, último fragmento celta no continente europeu, constitui uma língua minoritária dentro de um território tradicional. É uma língua ameaçada, já que a maioria dos bretões são bilíngües ou monolíngues em Francês. A tentativa de uma revitalização linguistica, proposta pelos breton reformers esbarra em aspectos políticos e ideológicos que reforçam a concepção de que não se pode discutir bilingüismo senão a partir das relações de poder. A situação de confronto entre a língua Bretã e o Francês e a forma como essa gradativamente vai suplantando aquela, nos induzem a concordar com Romaine quando ela afirma que "o bilinguismo está a um passo da extinção linguística". Não que se esteja afirmando que esse fenômeno constitua um problema a ser eliminado, mas não se podem negar os casos em que a morte de uma língua foi precedida pelo bilingüismo. Assim, diante de pressões políticas, culturais e econômicas é pertinente a afirmação de que uma língua venha a sucumbir, já que a questão do bilingüismo está inserida num complexo processo sociolingüístico em que línguas minoritárias acabam cedendo às pressões das línguas de prestígio, num movimento em que a morte linguistica seja mesmo um fantasma que ronda nossa civilização há séculos.
James Deam
COMENTÁRIOS SOBRE OS TEXTOS DE 15 DE ABRIL
1) Comente a afirmação de Salzmann sobre a hipótese de Whorf (Sapir Whorf Hypothesis), "Whorf concerns himself with the important question of language-culture dependency in several of his papers, but he overstates his case" (p. 64).
Como o título de Salzmann já informa previamente, a relação língua e cultura é o foco do capítulo. E logo na página 44 Salzmann já coloca a hipótese de que Whorf teria exagerado: “From a contemporary standpoint, however, it appears that Whorf overstated his case.” Isto dito, Salzmann passa a discutir tal afirmação, através de exemplos diversos, até chegar a sua conclusão, na página 64, onde afirma que, salvo termos técnicos que requerem sua própria terminologia, todas as línguas podem expressar qualquer coisa, pelo menos é o que acredita a maioria dos lingüistas. Questionando também a precisão e representatividade dos dados de Whorf, Salzmann afirma que Whorf exagerou sim. Até aí, à luz da evolução dos estudos lingüísticos pós-Whorf, nada demais.
O que me chama a atenção, entretanto, nesta discussão, e que gostaria de registrar aqui, para nossa discussão, não é o fato de que Whorf exagerou, mas sim a parte que ele acertou. Salzmann afirma que “there is no question that the lexicon of any language mirrors whatever the nonverbal culture emphasizes; that is, those aspects of culture that are important for the members of a society are correspondingly highlighted in the vocabulary” (p. 47). Mesmo sem o overstatement whorfiano, se assim posso dizer, tal relação entre língua e cultura é, pelo menos em minha opinião, bastante interessante. Observar aspectos tão básicos da vida humana, como as relações familiares, por exemplo, sendo diferentemente organizadas por línguas diferentes, e o impacto disto na cultura – ou vice-versa, depende de quem veio antes, o ovo ou a galinha – é fascinante. Como coloca Salzmann na página 49: “It is clear that the kinship terminology by which one classifies relatives also governs the type of behavior patterns and attitudes applied to them”.
Considere-se por exemplo a figura da sogra, que na cultura brasileira é sempre execrada, mesmo quando alguém tem uma ótima relação com a mãe de seu cônjuge. O termo sogra já tem conotações desagradáveis para um povo como o brasileiro, que se diverte tanto ridicularizando e odiando este parentesco. Quando olhamos para o termo usado no inglês, entretanto, vemos uma proximidade conceitual bem maior, já que o termo usado para a mãe do cônjuge é mother-in-law. Não disponho de conhecimento suficiente das culturas anglófonas para saber se esta diferença conceitual implica também numa abordagem cultural diferente do relacionamento com a mãe do cônjuge, mas estas questões instigam minha curiosidade.
Termino minhas divagações citando ainda, com referência ao exemplo da sogra, a observação de Don Richardson, missionário cristão entre os Sawi da Nova Guiné, em seu livro O totem da paz (Belo Horizonte, MG: Betânia, 2007). Richardson diz que “para um sawi do sexo masculino, nada era mais sagrado do que o relacionamento com os que lhe haviam dado a filha ou filhas em casamento. Tão grande era o respeito dos sawis pelos seus sogros, que nem mesmo pronunciavam seus nomes em voz alta. E o seu sentimento de dever para com eles era tão forte, que superava o que os ligava aos próprios pais e à esposa e aos filhos”. E por causa disto, a palavra usada pelos sawis para designar os sogros era uma palavra importante e reverentemente pronunciada.
Assim, embora Whorf tenha exagerado, sua observação da relação língua e cultura continua a ser bastante interessante.
2) Relacione o artigo de Timm com a afirmação de Romaine (1995, p.5), "o bilinguismo está a um passo da extinção linguística".
O caso do Breton relatado por Lenora Timm parece corroborar a afirmação de Romaine, pois o que se percebe é que os falantes nativos da língua em questão estão diminuindo, em parte por questões pragmáticas que os levam a optar pelo francês, e em parte pelo fracasso do neo-breton, como relatado pela autora, em revitalizar a língua, o que reforça a opção dos falantes bilíngües de Breton/French pelo segundo idioma.
Onésimo Ferraz
Refletindo: Bilinguismo/Cultura
A noção de bilingüismo tornou-se cada vez mais ampla e difícil de conceituar, a partir do século XX. A primeira vista, definir o bilingüismo não parece ser uma tarefa difícil. De acordo com o dicionário Oxford (2000:117) bilíngüe é definido como: “ser capaz de falar duas línguas igualmente bem porque as utiliza desde muito jovem”. Na visão popular, ser bilíngüe é o mesmo que ser capaz de falar duas línguas perfeitamente; esta é também a definição empregada por Bloomfield que define bilingüismo como “o controle nativo de duas línguas” (BLOOMFIELD, 1935, apud HARMERS e BLANC, 2000:6). Opondo-se a esta visão que inclui apenas bilíngües perfeitos, Macnamara propõe que “um indivíduo bilíngüe é alguém que possui competência mínima em uma das quatro habilidades lingüísticas (falar, ouvir, ler e escrever) em uma língua diferente de sua língua nativa” (MACNAMARA, 1967 apud HARMERS e BLANC, 2000:6.). Entre estes dois extremos encontram-se outras definições, como por exemplo, a definição proposta por Titone, para quem bilingüismo é “a capacidade individual de falar uma segunda língua obedecendo às estruturas desta língua e não parafraseando a primeira língua” (TITONE, 1972 apud HARMERS e BLANC, 2000:7). Outros autores, como Barker e Prys Jones (1998).(p. 1-2)
Isso tudo por nós foi observado, mais é sempre bom relembrarmos, e ainda em suas discussões ela trás uma situação a qual foi discutida na nossa ultima aula, em relação à educação bilíngue no Brasil em especial em Goiânia Megale busca em outro estudioso para refletir sobre essa educação:
Ainda segundo Harmers e Blanc (2000), o fator mais importante na experiência bilíngüe é que ambas as línguas devem ser igualmente valorizadas. Como isto será realizado, deve ser estudado por aqueles que planejam a educação bilíngüe. Uma outra questão que deve ser levada em consideração ao se planejar a educação bilíngüe é a definição dos objetivos, de acordo com o programa que será seguido, e como estes serão alcançados.(p.6)
Essas discussões sempre nos deixam com um que a mais de curiosidade. Nessas observações fazemos uma ligação nas discussões sobre cultura trazida por Hall, onde ela reflete na identidade do individuo, ele recebe uma outra cultura dentro de sua própria cultura, podemos observar que isso faz com que esse individuo valorize tanto a sua cultura como a outra.
Cleber Cezar
domingo, 11 de abril de 2010
Salzmann e Tim
1) Salzmann expõe a teoria de Whorf deixando clara a relação dialética que este acredita haver entre as relações do indivíduo com sua cultura e sua língua. Ideia que evolui dos estudos de Humboldt e Boas e que ganha destaque após a Segunda Guerra com a publicação da teoria do Relativismo Lingüístico. O autor atribui à língua a função de fornecer ao indivíduo recursos para que este possa interagir e agir sobre a cultura que vive, dando a ela um exagero destaque no que concerne à cultura interferir na conceptualização dos significados. Os argumentos seguintes seguem amenizando a teoria de Whorf, tornando-a mais clara e com contornos capazes de propiciar a condução dessa linha de estudo. O foco é relacionar visão de mundo com cultura e linguagem definindo até que ponto a cultura e a linguagem interferem-se mutuamente e como interferem da forma como o indivíduo lida com o mundo ao seu redor. O exagero do autor é mostrado quando são expostos argumentos que contradizem alguns dos exemplos aos quais Whorf recorreu para fundamentar seus dizeres. Acreditar que o fato de uma cultura utilizar-se de um maior ou menor número de palavras para definir uma mesma é algo que reflita ou limite sua habilidade cognitiva, e que o comportamento cultural interfere nas regras gramaticais de alguns idiomas é sem dúvida inflar os reflexos desse comportamento social. É claro que muitas das escolhas lexicais e a própria necessidade de uso desse léxico envolve a visão e as regras sociais que o indivíduo detém no momento do enunciado, mas não é possível dizer que elas determinam e definem, ou ainda limitam, a forma como o indivíduo se posiciona no mundo.
Com certeza é atribuir muito ao comportamento social, dizer que este dita ou fornece as regras disponíveis para que interpretemos o mundo com o qual temos contato diretamente e constantemente. É claro que nosso comportamento social nasce de nossas habilidades cognitivas, que são elas que interpretam nossas regras sócio comportamentais e que dizem como deveremos reagir às situações cotidianos da vida social. Não há como desvincular cultura e compreensão de mundo, o mundo em que hoje vive o ser humano é um espaço culturalmente criado e dividido, logo, as regras de convívio social tornam a principal peça nesse jogo. A linguagem é claro também não se distancia dessa realidade ela é utilizada pela e para cultura, como forma de modificação e perpetuação da mesma . É isso justifica dizer que embora ainda não haja uma linha clara que desenhe esse nível de interferência mútua, é impossível desvencilhar o comportamento sócio cultural do comportamento lingüístico e esses dois da forma como o indivíduo lida com as próprias ideias.
2) O texto de Timm mostra parte das dificuldades de se recuperar uma determinada lingüística de um avançado estágio de desaparecimento lingüístico provocado por avanços ideológicos e sócio culturais na comunidade de falantes do Bretão. Os argumentos do autor mostram que mesmo contando com o trabalho de especialistas que fizeram um levantamento do léxico da língua high que invadira a língua bretã e propuseram novos vocábulos, a língua perdeu parte de sua capacidade representativa frente a realidade da comunidade bretã. Regras de comportamentos sociais, formas de descrições e construções sintáticas da língua bretã deram espaços às equivalentes em língua francesa. Os novos falantes introduzidos à língua bretã após conhecerem o francês inicialmente não conseguem se adequar às convenções sócio linguísticas dos falantes antigos deixando exposto um conflito de gerações ao utilizar a língua.
O período diglóssico dessa sociedade, no caso francês e bretão, com certeza é responsável por essa perda que a língua bretã sofreu nesse período. O uso da língua exclusivamente em determinadas situações sociais é o que causa a substituição de parâmetros culturais na língua. Quando se refere ao bilingüismo a um passo da extinção podemos dizer que em situação de contato onde uma língua é privilegiada em relação a outra, é normal que elas passem por um processo de interlíngua e por fim acabem resultando num idioma único capaz de suprir todas as necessidades de uma comunidade, afinal, todas as línguas são suficientemente capazes de servir a uma comunidade sem que outra língua seja necessária. A existência de comunidades cada maiores, com ligações mais rápidas entre si e o que gera o receio de uma homogeneização lingüística.
quinta-feira, 8 de abril de 2010
Salzmann e Timm - Textos de 15 de abril
2) Relacione o artigo de Timm com a afirmação de Romaine (1995, p.5), "o bilinguismo está a um passo da extinção linguística".
quarta-feira, 7 de abril de 2010
Sobre o espaço-tempo
Quando eu era criança, há coisa de 30 anos atrás, o mundo me parecia um lugar imenso, quase infinito, e o tempo arrastava-se com uma lentidão que conferia à vida uma dimensão épica. Meu quintal era um reino onde eu era completo, envolto por seu espaço acolhedor, que me protegia do mundo lá fora. Sair do bairro onde eu morava e ir até o “centro” da cidade, por exemplo, era uma viagem. Viajar para o Japão era uma odisseia impossível, senão para uns poucos privilegiados, que por alguma razão visitavam o “outro lado do mundo”. E quanto ao tempo? Um ano demorava tanto a passar! Como era difícil esperar por um novo Natal! E ir dormir à meia-noite era um feito a ser relatado orgulhosamente aos colegas de escola no dia seguinte, já que esta era uma hora mítica, muito tarde da noite, e também recheada de símbolos espirituais; era a hora do medo, a hora do terror, um momento mágico que a gente temia presenciar. Era melhor estar dormindo do que ter a consciência de ser apanhado desprevenido pela meia-noite.
Pois bem, poucas décadas se passaram, e cá estou no turbilhão da vida adulta, sofrendo /desfrutando a vida nos tempos da globalização. E nestes 30 anos, vivi mais mudanças que meu pai em seus 89 anos de vida jamais sonhou. Alguns exemplos:
· O telefone que era coisa de gente rica, hoje é onipresente (em minha casa temos um fixo e mais 4 celulares). Se antes tínhamos que ir ao telefone, hoje o levamos conosco o tempo todo.
· As viagens, antes tão custosas e demoradas, hoje se tornam cada vez mais acessíveis, reduzindo o planeta Terra a um grande quintal. Eu mesmo tive a oportunidade de visitar Cingapura, com escala na África do Sul, levando pouco mais de 24 horas da porta de casa até o hotel onde me hospedei. E foi nesta viagem também que experimentei pela primeira vez uma sensação curiosa: devido ao fuso horário de 11 horas, eu falava com minha família por telefone quando para mim era a manhã de um dia, e para eles, em nossa casa, ainda era a noite do dia anterior. Este deslocamento espacial somado a esta espécie de viagem no tempo foi bastante perturbadora, e alterou para sempre minha percepção espacial e temporal.
· O centro da cidade hoje já não é mais tão central, é quase uma periferia competindo com os múltiplos espaços de compras, negócios e lazer, e quando o visito, levo poucos minutos – se o trânsito ajudar – para chegar, dirigindo meu carro.
· O tempo encolheu, ou acelerou, e eu e todos que conheço vivemos com a incômoda sensação de que o ano está passando muito rápido, a semana nunca é suficiente pra se fazer tudo o que precisamos, o dia é muito curto, e a noite... a noite morreu, assassinada pelas luzes onipresentes, pela TV que não sai mais do ar – onde estão aquelas listras verticais coloridas que se via quando se ligava a TV de madrugada?! – e pelo comércio que funciona 24 horas. Dormir antes da meia-noite é proeza que raramente consigo já faz muitos anos.
· E a Internet, esta é uma personagem central nesta história toda. Ela é a responsável por uma overdose de informação que também contribui para o achatamento do espaço-tempo. Uma pesquisa escolar, por exemplo, que na minha infância requeria o deslocamento até uma biblioteca, e horas de pesquisa em livros, agora é feita por meus filhos com alguns cliques no Google. Em poucos minutos, consegue-se a informação, as imagens e tudo o mais. Ou seja, do nosso lugar – nossa casa – conseguimos viajar por diversos espaços e coletar conteúdos para os estudos das crianças. A comunicação por e-mails e programas de mensagens instantâneas aproxima-nos de amigos separados por milhares de quilômetros, tornando possível o contato diário entre quem antes tinha que se contentar com a longa espera por cartas. As imagens de satélite nos transportam em segundos para qualquer lugar do globo. Ao mesmo tempo, vivemos estressados com a impossibilidade de responder a todos os e-mails, e empobrecidos com a superficialidade dos múltiplos contatos dos sites de relacionamento. Nunca tivemos tantos amigos, mas em alguns casos, nunca fomos tão solitários. E se hoje tenho acesso em um dia a mais livros e músicas do que conseguia ver em um ano, também não tenho mais a mesma intensidade na apreciação deles. Quando eu gravava uma fita cassete nos anos 80, copiando um LP de algum amigo generoso, eu ouvia aquelas músicas por um ano. Hoje carrego em meu pendrive mais músicas do que sou capaz de ouvir em um mês, nem sei direito o que tenho lá.
Todas essas reflexões calcadas na minha experiência pessoal comprovam a tese de Renato Ortiz, segundo a qual “as transformações atuais (capitalismo flexível, indústrias culturais transnacionais, mundialização da cultura, avanços tecnológicos), incidem diretamente na maneira de se conceber as formas espaciais" cf. Ortiz (2008), p. 75. Pois existindo neste tempo de pós-modernidade, particularmente nestes últimos 30 anos, deparamo-nos com uma visão de espaço diferente daquela que nos legaram nossos avós e pais. E não só de espaço, mas também de tempo, como Stuart Hall nota ao dizer que o espaço-tempo se comprime, de modo que “se sente que o mundo é menor e as distâncias mais curtas” cf. Hall (2006), p. 69. O mesmo Hall observa que “o tempo e o espaço são também as coordenadas básicas de todos os sistemas de representação”, e que “diferentes épocas culturais tem diferentes formas de combinar essas coordenadas espaço-tempo.” Hall (2006), p. 70.
É fato que minha concepção do espaço e do tempo é hoje bastante diferente daquela que eu tinha na infância, e que eu compartilhava com minha família. Não tenho nenhuma dificuldade em perceber que muitos lugares que nós dizíamos que ficava longe, hoje consideramos muito perto, pois a noção espacial se modificou significativamente. E aquilo que antes era chamado de tarde (meia-noite, por exemplo) já não é tão tarde para nós, e o que era rápido, nesta época viciada em velocidade, hoje é considerado muito lento. Por fim, o que era longe culturalmente, como produtos de outros países, hoje é elemento corriqueiro em nosso cotidiano, já que é normal ouvir música americana em um telefone celular de marca finlandesa fabricado na china, importado por uma empresa brasileira – ou contrabandeado via Paraguai, mas isto nunca se confessa – e vendido nas lojas de Goiânia, parodiando o colega Ricardo Wobeto, em sua postagem no nosso blog.
Onésimo Ferraz do Nascimento, aluno ouvinte.
quarta-feira, 31 de março de 2010
Representações através das coordenadas espaço/tempo
As identidades dos individuos sofrem mutações de suas caracteristicas com o efeito tempo/espaço comprimido pelos meios tecnologicos. Por exemplo, ao assistirmos um programa vemos uma nova tendencia para a moda outono/inverno, desenvolvida por um estilista Italiano, apresentado em um desfile em Tokio e fabricado em Taiwan com algodão indiano com mão de obra chinesa e vendido por uma exportadora americana na avenida 25 de março em São Paulo.
De acordo com o fluxo mercadologico e ideologico da nova nova moda supracitado, todos esses paises de alguma forma sofrem interferencias desta moda, ou seja, a mesma roupa a qual fui influencia a usar, e a mesma moda expalhada pela difusora televisiva.
Não precisamos nos deslocar para sermos influenciados ou adquirirmos os habitos, pegamos o controle da tv a cabo ou acessamos sites pela internet e podemos receber e enviar informaçoes desta nova influencia, mas se precisarmos deslocar para uma conferencia, São Paulo é logo ali, 1 hora e 30 minutos de distancia de Goiania pela TAM. Nossos conceitos de espaço tornam-se tempo, e nosso tempo torna-se um conceito de distancia, pois para ir a UFG Samambaia eu gasto por volta de 45 minutos.
Quem nunca usou uma calça jeans, comeu um Mc Donalds, tomou uma Coca Cola e assitiu um jogo do Brasil direto da Alemanha na Copa de 2006? Atire a primeira pedra quem nunca sofreu um processo de transculturação.
Um abraço a todos e um otimo final de semana e excelente pascoa
Ricardo Wobeto
sábado, 27 de março de 2010
Em discussão...
Este espaço foi criado com o intuito de provomermos discussões acerca dos tópicos que compõem o programa do nosso curso. Assim, a cada semana, esperamos ouvir a voz de todos neste espaço sobre questões diversas apontadas nos textos. Para esta semana gostaríamos de ouvir comentários sobre :
1) o seguinte trecho de Ortiz (2008, p.75), "Neste sentido, as transformações atuais (capitalismo flexível, indústrias culturais transnacionais, mundialização da cultura, avanços tecnológicos) incidem diretamente na maneira de se conceber as formas espaciais". Ao postar, façam um intertexto com o texto de Hall que lemos na última aula. Pensem nas questões de tempo e espaço.
2) Romaine (1995, p.5) afirma "o bilinguismo está a um passo da extinção linguística"(p. 5). Comente a afirmação pensando nas situações de contato entre línguas apresentadas pela autora.
3) Em que medida as definições de bilinguismo discutidas em Romaine (1995) diferem?
terça-feira, 23 de março de 2010
Bilinguismo Individual*
François Grosjean - Tradução de Heloísa Augusta Brito de Mello e Dilys Karen Rees
* Texto publicado na Revista UFG, dezembro 2008, Ano X n.5, p.163-176.
Poucas áreas da Lingüística encerram tantos conceitos inadequados quanto a área de bilingüismo. A maioria das pessoas acredita que o bilingüismo é um fenômeno raro encontrado apenas em países tais como o Canadá, a Suíça e a Bélgica e que os bilíngües apresentam um mesmo grau de fluência na fala e na escrita em ambas as línguas, falam sem sotaque e podem interpretar ou traduzir sem nenhum treinamento prévio. No entanto, a realidade é bastante diferente – o bilingüismo está presente em praticamente todos os países do mundo, em todas as faixas etárias e em todas as classes sociais. Na verdade, estima-se que metade da população mundial é bilíngüe. Quanto aos bilíngües, a maioria adquire suas línguas em diferentes momentos da vida e raramente são igualmente fluentes em todas elas – muitos falam uma de suas línguas não tão bem quanto a outra (e quase sempre com sotaque) e muitos lêem ou escrevem em apenas uma das línguas que falam. Além disso, poucos bilíngües são capazes de interpretar ou traduzir proficientemente.
Neste artigo, muitos aspectos do indivíduo bilíngüe serão discutidos, porém, será dada ênfase especial ao bilíngüe adulto estável, ou seja, à pessoa que não mais está em processo de aquisição de uma segunda ou terceira língua. Inicialmente, descreveremos o indivíduo bilíngüe em termos de uso e conhecimento lingüístico. Em seguida, examinaremos o comportamento lingüístico do bilíngüe quando se comunica com monolíngües ou com outros bilíngües. Discutiremos, ainda, algumas questões relacionadas com a psicolingüística e a neurolingüística do bilingüismo. E, finalmente, apresentaremos um breve panorama das atitudes, do comportamento e da personalidade do indivíduo bilíngüe.
Há muito tempo os neurolingüistas têm se interessado em descrever como a linguagem é organizada na mente bilíngüe e como essa organização difere daquela de um monolíngüe. Uma das abordagens tem sido observar e testar afásicos bilíngües com o fim de entender melhor quais são as línguas afetadas por danos mentais e quais os fatores que mais contribuem para os diferentes padrões de reaquisição das línguas. Outro método tem sido estudar bilíngües normais para verificar se o processamento lingüístico ocorre principalmente no hemisfério esquerdo do cérebro (como se dá em indivíduos monolíngües) ou nos dois hemisférios.
Esta última seção discutirá as atitudes e sentimentos que bilíngües e monolíngües têm em relação ao bilingüismo, as várias atividades mentais, a interação entre língua e emoção e a personalidade dos bilíngües.
Várias pesquisas demonstram que ou os bilíngües são indiferentes ao bilingüismo (isto é, consideram-no apenas um fato da vida) ou vêem mais vantagens do que desvantagens em conviver com duas ou mais línguas. A maioria aprecia o fato de ser capaz de comunicar-se com pessoas de origens lingüísticas e culturais diferentes; outros acham que o bilingüismo oferece uma perspectiva de vida diferente que propicia uma maior visão de mundo, permite a leitura e a escrita em diferentes línguas, facilita a aprendizagem de outras línguas, dá mais oportunidades de trabalho, etc. As inconveniências aparecem em menor número e envolvem aspectos tais como: mudança de código involuntária, necessidade de se ajustar a culturas diferentes, sentimento de perda de uma das línguas (normalmente a língua minoritária) ou ter que servir de tradutor em várias ocasiões.
Alguns bilíngües dizem que quando mudam a língua, também mudam suas atitudes e seus comportamentos. Este fato tem sido freqüentemente relatado na literatura: alguns bilíngües apresentam ligeiras diferenças de opiniões, dependendo da língua que estão falando; outros são mais autoritários em uma das suas línguas; outros são mais reservados ou gentis, etc. Daí é possível concluir que existe um pouco de verdade no provérbio checo, “Aprenda uma nova língua e ganhe uma nova alma”. Alguns concordariam com este provérbio e iriam ainda mais longe, afirmando que os bilíngües têm dupla personalidade. Na realidade, não há evidência real de que os bilíngües sofrem mais de distúrbios mentais do que os monolíngües; o que é visto como uma mudança de personalidade é simplesmente uma transferência de atitudes e comportamentos, correspondendo a uma transferência de situação ou contexto, independentemente da língua.
Baetens-Beardsmore, H. Bilingualism: Basic Principles. Clevedon: MultilingualMatters, 1982.Clyne, M. Perspectives on Language Contact. Melbourne: HawthornePress, 1972.
segunda-feira, 22 de março de 2010
Uma Definição de Pós-modernismo
Postmodernism seems to mean anything, everything, and nothing. It's today's academic Rorschach blot on which nervous modernists and others project all their fantasies, both benign and terrifying. Whatever they're most afraid of, that's what postmodernism is. On the other hand, whatever they most secretly desire, postmodernism promises. So postmodernism is not one thing. Postmodernism originally referred to specific movements in art and architecture, which reacted to a specific movement called modernism, which happened quite a while ago. Postmodernism itself is no longer as central an issue in art and architecture, and the word has been applied in a number of new ways.
For some, postmodernism refers to a renewed attention to "the other," "the marginalized." Many streams of postmodern thought are animated by the desire to do justice to the claims of those whom the dominant culture has excluded politically, economically, and (probably not least of all from the postmodern perspective) rhetorically. That is, they've simply been omitted from the discourse within Western intellectual life. So women, non-northern Europeans, gays, lesbians, and the poor all loom large in the postmodernist consciousness as hitherto unrecognized groups who deserve the same kind of historical and philosophical attention as their polar opposites, which would be wealthy, white, heterosexual men.
Second, this attention to the marginalized has led many postmodernists into a profound skepticism toward modernity's assumptions about knowledge, truth, and reason. These postmoderns question the extent to which modernity's attempts to make truth claims is valid. They've discovered that at the base of almost every truth claim is a story, a story that privileges certain groups and marginalizes others. Jean Lyotard, the French champion of many postmodern themes, said that postmodernism requires a suspicion of the overarching stories (often called "metanarratives") that support our claims of truth. Any claim to know truth or any attempt to commend truth to others is likely to be just a power play, they argue, an attempt to impose one's own metanarrative in the guise of an absolute truth.
In this way, postmodernism is relativist. But it's not relativist across the board, because it actually has a certain perspective, the perspective of the truth claims of the marginalized, who are given quite a lot of validity in the postmodern epistemological scheme.
Third, postmodernism is also used to refer loosely to advanced consumer capitalism, in which the prevalence of choice has rendered everything level. Western consumers now find themselves in a sea of options and choices. Everything is relativized in this setting-not so much by the claims of the marginalized or even by a rigorous epistemological process but by your ability to choose anything. Everything is open to you as a consumer.
The first sense (concern with the marginalized) and the third sense (consumer capitalism) of postmodern, then, have little to do with each other. Yet both find common ground in radical skepticism about ultimate truth, because that not only emerges from many postmodern thinkers' reading of history, but also makes it easier to be a good consumer.
http://www.thewychefamily.com/beliefs/postmodernism.html
sábado, 20 de março de 2010
Um texto de Renato Ortiz sobre Estudos Culturais
Os Estudos Culturais não existem no Brasil como área disciplinar. Claro, o interesse pelo que é produzido, seja na Inglaterra, via Escola de Birmingham, seja nos Estados Unidos, como estudos literários, pós-modernidade, globalização, está presente entre nós. Mas os termos da discussão são outros. Não sei se eles constituirão no futuro uma especialização acadêmica nem saberia dizer se isso seria realmente desejável. A verdade é que a institucionalização do conhecimento na esfera das humanidades se encontra mais ou menos definida, constituída por disciplinas e algumas atividades específicas, tais como comunicação e artes. Mesmo nos institutos e departamentos de Letras, as tradicionais divisões de ensino e pesquisa parecem vigorar sem maiores constrangimentos. Isso estabelece de imediato um "dentro" e um "fora", pois as perguntas sobre a possível relação entre "estudos culturais" e "estudos literários", o destino dos "estudos culturais", sua politização ou não, nada têm de universal. Eles seguem o ritmo das mudanças ocorridas nas universidades norte-americanas, mas dificilmente exprimem a realidade brasileira e, eu acrescentaria, latino-americana. Na introdução de meu livro O próximo e o distante: Japão e modernidade-mundo (Brasiliense, 2000), digo que a noção de "estudos japoneses", conhecida como japonologia, somente tem sentido quando apreciada do exterior. Os japonólogos são pesquisadores, preferencialmente oriundos da Europa e dos Estados Unidos, cuja intenção é compreender a realidade desse país determinado. Passa-se o mesmo com os brasilianistas e latino-americanistas. São pessoas que se encontram "fora" do Brasil e da América Latina, trabalhando geralmente em instituições norte-americanas ou européias. Mas nenhum brasileiro ou latino-americano se identificaria como um brasilianista ou um latino-americanista. Isso somente ocorre quando eles migram para uma instituição estrangeira, inserindo-se em outro mercado acadêmico. Aí, nesse momento, sua identidade profissional irá se alterar. Por isso não há japonólogos no Japão e latino-americanistas na América Latina, mas sociólogos, economistas, historiadores etc. Quando vista internamente, a realidade das áreas geográficas tem pouca consistência (inclusive teórica), vivendo mais dos influxos externos. Embora a situação não seja exatamente a mesma (os Estudos Culturais não coincidem com uma área geográfica qualquer), algo semelhante ocorre, pois o conhecimento vem marcado pela história dos lugares nos quais os Estudos Culturais são produzidos. Teriam eles uma unidade disciplinar? Configurariam uma área específica do conhecimento? A resposta pode eventualmente ser positiva quando os consideramos no contexto das universidades norte-americanas, mas negativa, ou no mínimo ambígua, quando nos voltamos para a América Latina. No que toca ao Brasil, parece-me que a penetração dos Estudos Culturais se faz pelas bordas, ou seja, para utilizar uma expressão de Bourdieu, na periferia do campo hierarquizado das ciências sociais, particularmente nas escolas de comunicação (o que certamente demonstra o conservantismo de disciplinas como sociologia, antropologia, literatura). Entretanto, mesmo assim, nenhuma delas se propõe a modificar o seu estatuto institucional. Os textos são lidos e os autores cultivados, sem que o conceito de "comunicação", como área específica do conhecimento ou, se quiserem, de agregação de interesses, encontre-se ameaçado.
Os Estudos Culturais caracterizam-se por sua dimensão multidisciplinar, a quebra das fronteiras tradicionalmente estabelecidas nos departamentos e nas universidades. Esse é para mim um aspecto altamente positivo no processo de renovação das ciências sociais. Não há dúvida de que o movimento de institucionalização do conhecimento durante o século XX caminhou muitas vezes para uma espécie de fordismo intelectual, no qual as especialidades, as subdivisões disciplinares e temáticas (sociologia rural, antropologia da família, partidos políticos etc.), alimentadas sobretudo nos momentos de celebração ritual, os grandes congressos acadêmicos, implicaram a preponderância de um saber fragmentado em relação a uma visão mais "globalizadora", "totalizadora", dos fenômenos sociais (lembro que para Marcel Mauss a categoria "totalidade" era fundamental na construção do objeto sociológico). Não se pode dizer que o processo de especialização tenha sido inteiramente negativo; de alguma maneira ele possibilitou a análise mais detalhada de certos "eventos", mas permanece a impressão de que a fragmentação existente pouco favorece o aprimoramento do conhecimento, vinculando-se mais aos interesses dos grupos profissionais que disputam verbas de pesquisa e posições de autoridade no campo intelectual. Entretanto, não se deve considerar a importância da multidisciplinaridade como algo idêntico ao "fim das fronteiras". Ou cairemos na obviedade do senso comum que tem insistentemente alardeado, já no ocaso do século XX, o "fim" das ideologias, do espaço, do trabalho, da história. Seria, nesse caso, substituir uma insuficiência real por um falso problema. As fronteiras são necessárias para a existência de um saber autônomo, independentemente das injunções externas (religião, política, provincianismo local, senso comum). A multidisciplinaridade não é pois um valor em si, mas um valor relacional (isto é, estabelece-se em relação às "verdades" disciplinares), e é preciso portanto vinculá-la a uma questão anterior: em que medida ela favorece ou não uma realização mais adequada do próprio pensamento. Se os Estudos Culturais propõem uma solução multidisciplinar, não é menos certo que outras alternativas podem também ser exploradas, por exemplo a transdisciplinaridade. Nesse caso, os horizontes disciplinares surgem não como um entrave a ser abolido, mas como ponto de partida para uma "viagem" entre saberes compartimentados.
O tema das fronteiras pode ser ainda explorado por outro viés. A comparação com os Estados Unidos é sugestiva. Desde a década de 1920, com a Escola de Chicago, a sociologia conhece nos Estados Unidos um intenso movimento de institucionalização. Introduction to the science of sociology, de Park e Burguess, considerado a pequena bíblia dos sociólogos daquela cidade, foi publicado em 1921. A expansão do ensino universitário, com a criação de departamentos e institutos de pesquisa, irá multiplicar os nichos institucionais incentivando o florescimento das diferentes áreas acadêmicas. Já nos anos de 1940 diversas escolas de pensamento, como funcionalismo e culturalismo, apresentam-se como referências teóricas importantes no campo intelectual norte-americano. No Brasil, para utilizar um termo caro à intelectualidade latino-americana, a institucionalização das ciências sociais é "tardia". A "escola paulista" de sociologia, personificada na figura de Florestan Fernandes, data dos anos de 1950. Nesse momento, outras disciplinas, como a antropologia, certamente existiam, mas apenas de forma incipiente, desenvolvendo-se em pontos distantes e desconectados do país e praticadas por um número bastante reduzido de pessoas (a ciência política não existia ainda como especialização). Não se pode esquecer que o desenvolvimento de uma rede universitária de ensino, até a reforma de 1968, era também limitado. Na verdade, a institucionalização das ciências sociais se consolida nos anos de 1970 e 1980 com a emergência de um sistema nacional de pós-graduação (mestrado e doutorado) apoiado pelas agências financiadoras federais (Capes, CNPq) e estaduais (Fapesp), panorama que torna o Brasil hoje um país relativamente "privilegiado" comparado a seus vizinhos, pois em nenhum deles houve um desenvolvimento tão intenso das redes universitárias de pesquisa. Contrariamente às ditaduras chilena, argentina, uruguaia, os militares brasileiros foram "modernizadores", isto é, impulsionaram o crescimento econômico nos marcos de uma política autoritária, o que teve conseqüências importantes na reestruturação da universidade. Quero dizer com isso que, num contexto de institucionalização restringido, as fronteiras disciplinares nunca conseguiram se impor com a mesma força e rigidez que nos Estados Unidos. Não houve tempo nem condições materiais para que isso acontecesse. Sem dúvida elas existem nas universidades e nos centros de pesquisa, mas são mais porosas, fluidas, permitindo uma interação maior entre os praticantes das ciências sociais. As passagens da filosofia à sociologia, da ciência política à história, da antropologia à comunicação, da sociologia à literatura, não são casos de excepcionalidade, mas constituem quase que uma regra do campo universitário. Talvez por isso o ensaio, como forma de apreensão da realidade, sobretudo na tradição latino-americana hispânica, tenha sobrevivido ao processo de formalização disciplinar. Pois é de sua natureza desrespeitar a formalidade dos limites estabelecidos.
A análise da cultura constituiria um novo paradigma sistêmico? Pessoalmente não estou convencido de que as ciências sociais operem com paradigmas, no sentido que Kuhn atribui ao termo. Mesmo tomando o conceito de uma maneira mais alusiva e abrangente, como sinônimo de "referência teórica", minhas dúvidas persistem. Lembro que alguns anos atrás um debate semelhante ocorreu em relação à área de comunicação. Existiria uma "teoria da informação" distinta das outras esferas de conhecimento? Seriam as escolas de comunicação o lugar privilegiado desse "sistema epistemológico"? O resultado dessa polêmica, hoje apagada pelo tempo, não foi encorajador. Gostaria, porém, de retomar a questão, se eu a compreendi bem, dando-lhe outra formulação: atualmente, a problemática da cultura encerra algo de qualitativamente diferente em relação às perspectivas trabalhadas antes? Creio que sim. A tradição das ciências sociais, nos seus diversos ramos disciplinares, confinava a esfera da cultura a certos gêneros específicos: na literatura, a discussão estética; na antropologia, a compreensão das sociedades indígenas, do folclore e da cultura popular; na história, a reflexão sobre as civilizações (hoje revigorada com a emergência da globalização). Tanto na Europa como nos Estados Unidos, a sociologia, quando se ocupava do tema, praticamente o restringia à esfera da Kultur. A literatura e a arte desfrutavam assim de um estatuto privilegiado. O debate sobre o surgimento da cultura de massa nos Estados Unidos (anos de 1940 e 1950) tomava o universo da arte como referência obrigatória, seja para criticá-la como "elitista" (os autores liberais vinculados à idéia de democracia de massa e ao mercado), seja para valorizá-la, como os frankfurtianos, como o derradeiro refúgio da liberdade espiritual. Pode-se ainda dizer que a análise dos fenômenos culturais desfrutavam de um prestígio "menor" no campo intelectual. Outros temas, como partidos políticos, Estado, modernização, industrialização, urbanização, eram vistos como "mais importantes" do que os estudos referentes à cultura popular, às religiões etc. Certo, a esfera da "alta cultura" permanecia ilesa, pois era considerada algo à parte, o que garantia assim sua aura solitária. Mesmo na América Latina, guardadas as devidas proporções, esse movimento se reproduz. Contrariamente à Europa e aos Estados Unidos, a temática cultural, associada ao dilema da identidade nacional, foi uma preocupação permanente da intelectualidade. Nesse sentido, as análises empreendidas transbordaram os limites estabelecidos pelas ciências sociais européia e norte-americana. A constituição da nação implicava uma reflexão diferenciada. No entanto, na virada dos anos de 1960-1970, com o processo de institucionalização das disciplinas, temas como desenvolvimento, modernização, transição democrática, dependência terão um apelo muito maior entre os cientistas sociais, e um público mais amplo. É possível dizer que a tradição marxista, talvez de forma inconsciente, tenha nisso desempenhado certo papel, pois a "superestrutura", como reflexo ou não da "infra-estrutura", designava às manifestações culturais uma posição secundária. De qualquer maneira, com exceção da antropologia culturalista norte-americana (confinada aos estudos das sociedades indígenas, camponesa, e à aculturação) e a discussão da cultura nacional na América Latina, a esfera da cultura era vista não em sua totalidade, mas recortada segundo temas e disciplinas. Os estudos literários pouco tinham a ver com as análises sociológicas, a antropologia dificilmente dialogava com a dimensão "moderna" da chamada "cultura de massa", e assim por diante. Atualmente, em contraposição a essa tendência de compartimentalização do conhecimento, o universo da cultura passou a ser percebido como uma encruzilhada de intenções diversas, como se constituísse um espaço de convergência de movimentos e ritmos diferenciados: economia, relações sociais, tecnologia etc. Não creio que venha a existir, como se pensou no passado, uma "Teoria da Cultura" (intenção um tanto ingênua dos antropólogos culturalistas), mas estou convencido de que dificilmente esse espaço de convergência pode ser circunscrito às fronteiras canônicas das disciplinas existentes.
Outro aspecto diz respeito à problemática do poder. Tradicionalmente as ciências sociais tenderam a identificá-lo com a política. Há evidentemente exceções que confirmam a regra, por exemplo a sociologia da religião de Max Weber. Não obstante, o movimento dominante no pensamento sociológico (no sentido amplo do termo) foi considerá-lo algo preferencialmente vinculado ao universo da política. Por isso temas como Estado, governo, partidos, sindicatos e movimentos sociais tornaram-se hegemônicos entre os cientistas sociais. A cultura ficava um tanto à margem disso tudo. Novamente, diante desse quadro, a América Latina pode ser vista de forma distinta, mas é importante dimensionar as coisas para não cairmos em mal-entendidos. O dilema da identidade nacional levou a intelectualidade latino-americana a compreender o universo cultural (cultura nacional, cultura popular, imperialismo e colonialismo cultural) como algo intrinsecamente vinculado às questões políticas. Discutir "cultura" de uma certa forma era discutir política. O tema da identidade encerrava os dilemas e as esperanças relativos à construção nacional. Entretanto, isso posto, é importante qualificar o contexto no qual o debate era travado e apontar para as mudanças advindas desde então. Primeiro, a emergência de uma indústria cultural, particularmente num país como o Brasil, redefiniu a noção de cultura popular despolitizando a discussão anterior (tratei de maneira exaustiva esse aspecto em meu livro A moderna tradição brasileira [Brasiliense, 1988]). Segundo, o Estado-nação era o pressuposto básico da argumentação desenvolvida. Terceiro, o movimento de institucionalização das ciências sociais, mesmo restringido com a especialização das disciplinas, incentivou a separação entre compreensão da realidade e atuação política. As transformações recentes deslocam ainda a centralidade do Estado-nação, redefinindo a situação na qual são produzidas as ciências sociais. Muito do que se define por "crise política" associa-se às restrições impostas à sua atuação. Com o processo de globalização ele torna-se debilitado, cindindo o elo postulado anteriormente entre identidade nacional e luta política. O deslocamento do debate, da identidade nacional para as identidades particulares (étnicas, de gênero, regionais), reflete essa nova tendência. Mesmo no quadro dos antigos países "centrais", pode-se dizer que também as instâncias tradicionais da política perdem legitimidade ao se definirem quase que exclusivamente em termos das fronteiras nacionais (a discussão sobre uma possível "sociedade civil mundial" é um sintoma disso). Outra mudança, a meu ver profunda, diz respeito a como a esfera da cultura passa a ser percebida. Na América Latina, como apontei antes, ela era vista como um espaço de ação política, mas não necessariamente, como entendemos hoje, um lugar de poder. Ou seja, as contradições existentes no seio das manifestações culturais eram imediatamente traduzidas em análises e propostas encampadas pelas instituições tradicionalmente consagradas ao "fazer política": governo, partidos, sindicatos, movimentos sociais. Creio que se torna cada vez mais clara a distinção entre poder e política, pois o poder, como algo imanente às sociedades, às relações sociais, nem sempre se atualiza como política. Entre as manifestações culturais e as instâncias propriamente políticas existem portanto mediações. Sem elas corre-se o risco de indevidamente "politizar" a compreensão analítica, deixando-se de lado aspectos importantes, às vezes definitivos, da constituição de alguns fenômenos sociais (estética, religião etc.). De qualquer maneira, conceber a esfera da cultura como um lugar de poder significa dizer que a produção e a reprodução da sociedade passam necessariamente por sua compreensão (o que é distinto da idéia de "conscientização", muito em voga na América Latina nos anos de 1950 e 1960). Dimensão que se acentua no contexto da globalização.